“...
e tendo a simpatia de todo o povo...” (At 2.47 - NVI)
Quando leio esse texto,
atento para o contraste que o mesmo lança diante dos meus olhos. Jerusalém se
agitava com o crescente número de pessoas professando a fé em Cristo, e
passando a viver em torno de elementos estranhos à maioria: palavra, oração,
comunhão, partir do pão (At 2.42). Tais fatores demonstravam a grande ruptura
com o modelo religioso proposto pelo judaísmo. Entre os primeiros cristãos se
manifestava um forte senso de comunidade, a adoração na vida e o pertencer uns
aos outros.
Face a tantas e
contundentes transformações, o que se percebia era o impacto que o novo estilo
de vida causava naquela sociedade. Embora muitos rejeitassem o Cristo, e
negassem tais manifestações como sendo verídicas; eram simpáticos com a maneira
como os cristãos viviam. Que diferença com a realidade dos nossos dias!
Enquanto o cristianismo primitivo era relevante e simpático à sociedade, na
atualidade os denominados “cristãos” (sobretudo os evangélicos) na sua maioria
parecem celebrar a antipatia. Seria esta uma das causas principais da
irrelevância da chamada “igreja”?
Consideremos algumas
características que tornavam os primeiros cristãos “simpáticos de todo o povo”:
Continuavam
sendo gente. A conversão ao evangelho de Jesus Cristo
não afetava a essência humana daquelas pessoas. Não lhes dava uma formatação
diferente, a ponto de se distanciarem daqueles com os quais conviviam. Não
rompiam suas amizades, promovendo a falsa separação entre “salvos e ímpios”.
Não mudavam a maneira de falar (algo comum na atualidade), pois não havia o tal
“evangeliques”. Pelo contrario, o que observamos em Atos dos Apóstolos e no
histórico dos primeiros anos da caminhada cristã, é a efetiva participação dos
cristãos na vida da cidade, enfrentando e respondendo às suas demandas.
O evangelho que propõe
afastamento das praticas pecaminosas, não impõe barreiras separatistas entre
cristãos e não cristãos. Não estabelece a “criação” de dois mundos (o dos
crentes e o dos descrentes). A encarnação de Jesus aponta para a relação com os
pares e a caminhada entre os mesmos. Trata-se de um modelo próximo das pessoas,
integrado com a realidade vivenciada por elas.
O grande desafio é
sermos que somos, caminharmos por onde caminhamos, convivermos com as pessoas
próximas, em família, no trabalho e em todos os lugares. Como nos instrui
Paulo: “Façam tudo para a gloria de Deus”
(1 Co 10.31).
Viviam
a igreja comunitária. Aqueles cristãos mantinham os
vínculos entre si e a forte conexão com a comunidade, reunindo-se em grupos a
partir das relações desenvolvidas ao longo da vida. Não construíam prédios, nem
se distanciavam da realidade dos familiares e amigos. A igreja era comunitária,
sensível às demandas daqueles que a constituíam e simpática.
É importante
salientarmos que o fato de contarem com a “simpatia de todos” não significava o
comprometimento da mensagem. Tal simpatia decorria do testemunho de cada
cristão e da comunidade. Não havia programas, nem estratégias de marketing para
torná-los atraentes. Era graça divina. Algo que fluía da vida.
Fica evidente que
expressão orgânica da igreja, não apenas manifesta o real sentido da ecclesia,
como também aproxima das pessoas. Nela, todos expressam suas virtudes e
dilemas, buscando fortalecimento mutuo. A simplicidade e profundidade do
evangelho manifestos na expressão não institucionalizada da Igreja glorifica ao
Senhor e manifesta sua soberana vontade aos homens.
Eram
diferentes pela diferença que o evangelho fazia, e não por imposição ou regras
religiosas. É inegável que o evangelho produz
profundas mudanças naqueles que nele creem (Rm 1.16). As mesmas fluem do nosso
interior e se manifestam por meios de atos de justiça. Não se trata de mudanças
decorrentes de meras praticas destes ou daqueles princípios religiosos. A
história nos mostra que a simples religiosidade pode maquiar as aparências
exteriores, sem gerar nenhum tipo de impacto na nossa inclinação perversa, aos
moldes dos “sepulcros caiados”, descritos por Jesus.
O que havia de
diferente e impactante na vida dos primeiros cristãos era a diferença que a
mensagem do evangelho propagado pelos apóstolos, estava produzindo em seus
corações. Isto lhes tornava pessoas livres da escravidão religiosa, com seus
muitos preceitos e praticas. Não eram meros religiosos, e sim discípulos,
adoradores inclinados a viver para a gloria de Deus. Era este estilo de vida
não religioso que despertava a “simpatia de todo o povo”.
O evangelho não é cara
feia ou rabugice, e sim, um chamado à verdadeira alegria. Nele encontramos
razões para viver como Paulo: “...
Aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstancia...” (Fp 4.11). A
alegria no evangelho independe das circunstancias, e isso faz diferença no
ambiente onde estamos inseridos.
A graça divina
manifesta na vida dos eleitos impulsionava os mesmos a viverem com base nos
valores do evangelho. Por meio dela o Soberano gerava simpatia no coração do
povo. Isto servia como testemunho e, “...
E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos” (At 2.47).
Cabe a nós seguirmos o
bom exemplo da igreja primitiva, encarando os desafios inerentes ao ser gente,
viver como Igreja e manifestar a nova vida que o evangelho gera a partir do
nosso interior. Questões bastante complexas para pecadores como nós.
Aos eleitos, com
carinho!
Riva
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