ESPIRITUALIDADE
PASCAL
“Vós o matastes, crucificando-o por mãos de
iníquos, ao
qual, porém, Deus ressuscitou, rompendo os
grilhões
da morte; porquanto não era possível
fosse ele retido por ela (At 2.23, 24)
Espiritualidade é a vida vivida com a
visão da fé. Espiritualidade cristã é aquela que segue o modelo da vida e
ensino de Jesus. Ele é o tema central da espiritualidade cristã.
Sua passagem
da morte para a vida - pesach (hebraico)
– “páscoa” (português), é a mensagem central da proclamação do evangelho e de
toda fé cristã. Isso nos convence que: compreender o mistério pascal é
compreender o cristianismo, e ignorá-lo é ser ignorante do cristianismo.
A páscoa nos mostra que há apenas uma
espiritualidade para ser vivida: a nossa morte diária para o pecado, o egoísmo,
a desonestidade e o amor degradado, a fim de desfrutarmos da novidade de vida.
Nas palavras de Paulo: “Não sou mais eu
quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20).
A espiritualidade pascal nos convida à
verdadeira conversão (metanóia), que nos leva a viver em conformidade com os
valores do evangelho de Cristo, a começar por uma identificação pessoal com sua
morte. Nesta perspectiva, não evidenciamos apenas os valores que julgamos serem
mais favoráveis às nossas necessidades (como propõem os adeptos da graça
barata), mas também aqueles que nos desafiam e contrariam nossa vontade. A
páscoa é um convite à plenitude de vida que se manifesta na alegria e na
tristeza, nas conquistas e derrotas, em meio à fartura e escassez, nas curas e
nas dores.
Vejamos algumas das características
inerentes à espiritualidade pascal, e como podemos evidenciá-las:
A
espiritualidade pascal é cristocêntrica. Por meio de Cristo, por Cristo
e em Cristo. Isto significa que a morte e ressurreição de Jesus são os fatos
norteadores de todas as demais coisas na vida daqueles que pela graça tornam-se
seus discípulos: “Fazei isto em memória
de mim” (1 Co 11.24).
·
Há grupos que centram sua espiritualidade em
determinados trechos da Bíblia, e os tornam mais importantes do que a pessoa de
Jesus.
·
Outros fazem dos dons carismáticos a razão para
o seu viver na fé.
·
Ainda outros imaginam que a simples pratica de
boas obras é o centro de uma espiritualidade autentica.
Mas se não desenvolvermos nossa fé a
partir da pessoa de Cristo, tudo não passa de mero esforço humano, desprovido
do real significado divino. A espiritualidade pascal é a vida que flui da cruz
de Cristo.
Resumindo, uma espiritualidade
cristocêntrica é uma vida fundamentada no amor. Nossa centralidade em Cristo é
medida: “Você me ama?” (ver Jo
21.15-17).
·
Nosso desafio é amar a Deus, a nós mesmos e ao
próximo (ver Mc 12.28-31). Como escreveu Brennan Manning: “Se nossa jornada
cristã não produz Cristo em nós, se a passagem dos anos não forma Jesus de tal
modo que nos tornemos realmente semelhantes a ele, nossa espiritualidade está
falida.”
A
espiritualidade pascal é comunitária. Deus nos criou para vivermos em
comunidade, e não como seres isolados. A partir de Cristo, desenvolve-se a idéia
de um organismo vivo (Igreja), formado por muitos membros (ver 1 Co 12.12-31).
·
O maior exemplo de vida comunitária é a
Trindade. Ela é plena de dialogo, amor autentico e relacionamento mutuo. A
páscoa é convite a todos, para celebrarem ao mesmo Senhor.
·
O maior teste à nossa espiritualidade é o modo
como vivemos uns com os outros na comunidade de fé (igreja). Por meio de nossos
atos e palavras, damos formato e forma à nossa fé. Melhoramos ou pioramos as
pessoas a nossa volta.
·
O viver comunitário requer da nossa parte:
ü
Entendimento a respeito da unidade sem
uniformidade. O Senhor, o Espírito e o corpo são únicos, mas os membros
(pessoas), dons e serviços são muitos.
ü
Aceitação por meio do amor de Cristo.
ü
Renunciam aos desejos pessoais, principalmente
aqueles que constantemente nos instigam a buscar os primeiros lugares.
ü
Valorização do outro, como pessoa amada por Deus,
e por tanto digna de ser amada por todos.
A
espiritualidade pascal nos convida a olhar para a natureza humana como caída. Em
Cristo, a pecaminosidade humana não é camuflada, pois fica evidente que: “Todos pecaram” (Rm 3.23), mas, em sua
morte e ressurreição todos os eleitos de Deus são chamados ao arrependimento e
à redenção.
·
Quer aceitemos ou não, em Cristo os eleitos são
aceitos por Deus (ainda que alguns não compreendam). Como disse alguém: “Só há
um tipo de pessoa, pecadores. Os pecadores estão divididos em: pecadores
arrependidos e não arrependidos.”
·
Outro fator a ser considerado na perspectiva da
páscoa é o fato de Deus nunca desistir dos eleitos, pois sempre preparou meios
para a nossa redenção. O auge desta historia foi o sacrifico de seu Filho Jesus
(ver Jo 3.16-18).
·
Ao compreendermos isso, também recebemos o
comissionamento para proclamarmos essas verdades a todos os homens (ver Mt 28.16-20).
Neste sentindo, nossa redenção é um sinal para que outros sejam redimidos, e
desfrutem do verdadeiro sentido da páscoa.
A
espiritualidade pascal é cheia de júbilo e esperança. Está fundada na
viva esperança do grande dia no qual Deus conduzirá seus filhos à terra
prometida (eternidade).
·
Jesus deixou claro que os discípulos deveriam
manter a expectativa de estarem novamente com ele (ver Jo 14.1-3).
·
Ainda perplexos face à ascensão do Cristo
glorificado, os discípulos foram advertidos nos seguintes termos: “Varões galileus, porque estais olhando para
as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o
vistes subir” (At 1.11).
·
Atenção: Essa vida cheia de júbilo e otimismo
não significa:
ü
Um viver sem lutas, reveses, incertezas e muitas
outras coisas próprias do viver terreno.
ü
Também não significa que devamos desenvolver uma
postura “positivista” de fé, que vive confessando coisas do tipo: “Só benção!”,
“Não aceito enfermidades!”, “Sempre feliz e em vitória!”, etc (estes jargões são
terríveis!).
ü
Muito menos um viver oprimido pelas limitações,
incertezas e impossibilidades desta vida. Com afirmou Paulo: “Nada poderá nos separar do amor de Deus que
está em Cristo Jesus ”
(ver Rm 8.31-39).
·
A páscoa nos convida a um viver equilibrado (nem
muito ao céu, nem muito a terra). Estamos aqui, mas não somos daqui. Somos
abençoados em meio aos paradoxos da vida terrena.
A
espiritualidade pascal encara as pessoas como livres em Cristo. Nele
alcançamos plena liberdade: “Para a
liberdade foi que Cristo nos libertou” (Gl 5.1). Como ocorrera na
libertação do domínio egípcio. Por Jesus fomos, “libertos do império das
trevas” (Cl 1.13).
·
A visão de liberdade paulina é incapaz de
sucumbir ante a prisão romana. Ele era prisioneiro de Cristo (ver Ef 3.1, 4.1),
mas livre em seu viver.
·
A espiritualidade pascal convida cada discípulo
à obediência esclarecida (não cega).
·
Nossa liberdade está sujeita a soberania divina.
Isto significa que em nome da mesma, não podemos ultrapassar os limites
previamente estabelecidos pelo Senhor. “Nenhum
dos seus planos podem ser frustrados”.
·
Infelizmente muitas pessoas não conseguem
desfrutar desta liberdade em Cristo e acabam:
ü
Tornando-se libertinos, e contrários a visão
bíblica (ver Rm 6.1). Aqui está a única coisa para a qual não devemos usar
nossa liberdade.
ü
Outros assumem uma postura defensiva, fundada no
legalismo (vendo pecado em praticamente tudo). Estes, a semelhança dos fariseus,
são severamente confrontados por Jesus
(ver Mt 23, 24).
ü
Alguns se tornam pessoas manipuladas ou
manipuladoras. “Se de fato conhecêssemos o Deus de Jesus, pararíamos de tentar
controlar e manipular os outros (para seu bem), sabendo perfeitamente que não é
assim que Deus trabalha entre seu povo” (Brennan Menning).
ü
Paulo resumiu isso com maestria: “Onde está o Espírito do Senhor, aí há
liberdade” (2 Co 3.17).
Definitivamente, a morte e ressurreição
de Cristo não podem ser encaradas apenas como um acontecimento singular na
história da humanidade ou o pleno cumprimento do plano divino. A Páscoa cristã é
a porta de entrada para um viver diário de entrega pessoal aos apelos que
emergem da cruz.
Que ao celebrarmos nossa páscoa, o
façamos com o coração aberto para um viver cristocêntrico, em comunidade, reconhecendo
nossa natureza caída, mas valorizando a redenção em Cristo; assim, não faltará
verdadeiro júbilo e esperança e seremos plenamente livres: “Se, pois o filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo
8.36).
Riva